sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Como assim, doutora?

No primeiro semestre, inscrevi-me no concurso público da Prefeitura de Caatiba. Eu e outras centenas de pessoas. Como essas tantas, também estava preocupado com o rumo do certame: se ia ou não acontecer, quando seria, se não houvesse a prova o que aconteceria, enfim, essas coisas. Procurei me informar.

Para a minha quase-satisfação, encontrei um Termo de Ajustamento de Conduta, procedimento administrativo n° 03/2008 expedido pela Promotoria de Justiça de Barra do Choça, representado pela promotora Solange Anatólio do Espírito Santo. Esse documento, cuja íntegra está disponível no site da Alpha Concursos (www.alphaconcursos.com.br), contém toda informação necessária para quem quiser sanar qualquer dúvida a respeito do concurso. Dentre outras informações, determina a nova data da prova para 22 de março de 2009. Então por que essa minha quase-satisfação?

Há um ponto nesse Título Executivo Extrajudicial que nos permite considerar, a partir de leitura crítica, no mínimo uma incomensurável falta de respeito para com a população caatibense. A cláusula terceira desse documento orienta

“O PRIMEIRO COMPROMISSÁRIO (a prefeitura) a ministrar de forma gratuita, a partir da reabertura do prazo de inscrição do concurso, a ser realizado no município, curso preparatório até a data do certame para toda população de Caatiba inscrita no referido concurso, tendo em vista assegurar o principio da igualdade entre os concorrentes uma vez que a população de Caatiba, como é de conhecimento público e notório possui pouco grau de instrução.”

Isso mesmo: a promotora diz “que a população de Caatiba, como é de conhecimento público e notório possui pouco grau de instrução.” Essa asserção abre precedente para várias interpretações. A minha é essa:

1) Qualquer redator de documento oficial que se preze não expõe opiniões pessoais em seu texto. Para se afirmar que ‘é notório’ que a população de Caatiba ‘possui pouco grau de instrução’ é necessário, no mínimo, que se conheça profundamente a realidade da qual se fala. Não é o caso. A promotora definitivamente não conhece a realidade de Caatiba. Ela não me conhece. Eu não a conheço. Quem é Solange Anatólio do Espírito Santo?

2) Para se afirmar que a população de um determinado lugar ‘possui pouco grau de instrução’, é necessário se realizar uma pesquisa estatística, com universo estatístico, espaço amostral, coleta, análise e exposição dos dados, sem desconsiderar as variáveis qualitativas e quantitativas da pesquisa. Do contrário, é apenas suposição baseada em impressões pessoais obtidas através de mera observação – o que não comprova nada. Ou então alguém acha isso e fala pra outra pessoa, que fala pra outra, que fala pra outra. Para isso a ciência tem um nome específico: fofoca.

3) Um juiz ou uma juíza julgam baseado em fatos e argumentos oferecendo, inclusive, oportunidade de ampla defesa ao réu. Um promotor ou uma promotora, assim como um cidadão comum, um dentista ou um gari, não tem direito de julgar ninguém. Ademais, nesse caso a população de Caatiba nem ré é. É vítima.

Existem alguns fatos que são desconhecidos pelas pessoas que assinaram o documento. A taxa de analfabetismo do município, segundo dados do Censo, no ano 2000 era de 32,42%. Atualmente, a secretaria de educação do município de Caatiba atende a 2.541 alunos, distribuídos nos ensinos infantil, fundamental e médio nas escolas da zona rural e do perímetro urbano. Levando-se em conta que a população do município, segundo o IBGE, é de 10.327 habitantes hoje, o número de estudantes corresponde a cerca de 25% da população, isso sem considerar estudantes de nível superior, do EJA e cidadãos alfabetizados que estão fora da escola por já terem concluído ou não seus estudos. Só o Centro de Educação Luiz Miranda atende a mais de 800 alunos/as de 5ª a 8ª série. As escolas de ensino médio atendem a um total de 251 alunos. É um número expressivo, considerando que quem chega na 5ª série já tem as competências necessárias para considerar-se instruído. Isso é fato.

Talvez o comentário da promotora seja baseado no fato de que não há caatibense formado em Direito. Não importa. Uma das principais virtudes dessa população, que é de conhecimento público e notório, é o respeito para com os outros, e isso não se ensina na Faculdade. Pesquise pra conferir.

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